Um ano em três quilómetros!
De manhã cedo, enquanto o infante Dia resmungava entredentes com a mãe Aurora e o pai Alvorecer para poder dormitar mais um pouco, o galhofeiro grupo de miúdos, ávido de aventura e diversão, saia de casa rumo à escola. A casa da aprendizagem distava pouco mais de três quilómetros, distância que em nada assustava cachopos daqueles dias.
Em setembro, ainda com calor, a distância era percorrida com a ligeireza de quem possui material novo, um mundo de conhecimento condensado em páginas de manuais brilhantes e de cheiro a papel recentemente impresso. As canetas e afins dançavam nas bolsas coloridas assestadas entre os dossiers e a lancheira.
Com o advento do outono e das primeiras chuvas, as galochas de borracha brilhante, com tons de arco iris e olhinhos de rã, saltavam animadamente nas poças, primeiro a medo, para não sujar a roupa da escola, depois de forma cada vez mais consistente e divertida… Afinal, aquela era a utilidade da chuva, criar poças luzidias nos caminhos das enérgicas crianças.
Na companhia da geada do inverno estas piscinas encantadas de água pluvial apresentavam, bem cedinho, uma crosta dura e transparente. Os miúdos corriam e competiam entre si para chegar primeiro a uma e pisar o gelo! A alegria de sentir o frio a despedaçar com a pressão das botas era o ponto alto do dia. E olha, ali está outra… A escola era alcançada ao ritmo alucinante do quebrar do gelo.
Na estação das flores, quase a terminar a empreitada do ano letivo, as camisolas de malha leve chegavam ao destino cravejadas de “quantos namorados tens”, ramos de uma planta pontiaguda que se agarrava firmemente às roupagens das crianças. As meninas apanhavam flores amarelas, campainhas roxas e as “mijonas” amarelas e faziam ramos que depois perdiam a vivacidade nas suas mãos pequenas e cálidas, mas que chegavam a casa para serem enfaticamente entregues como prenda às mães que colocavam o jantar quente na mesa da cozinha.
O estio, esse, sem aulas e sem caminhos a percorrer, era passado nas ruas do bairro! Jogava-se ao “mata piolho”, rodavam as rodas das pasteleiras, construíam-se casas imaginárias com paralelos do passeio. O Dia não queria deitar-se e apenas o fazia quando a mãe Aurora e o pai Alvorecer gritavam da varanda: “Miúdos! Para casa!” A felicidade, nesses dias, espreitava descaradamente em cada esquina e escancarava sorrisos nas caras daquela multidão imberbe.