Tribuna na avenida

14-05-2015 17:59

    A chuva miudinha enchia a tarde outonal da grande cidade de um hemisfério longínquo. Languidamente, assomaram à ampla tribuna, sita vários metros acima da avenida mais larga que já haviam visto. O esplendoroso panorama vislumbrado fazia lembrar um qualquer glamoroso filme da década áurea dos anos 50 ou 60. Apetecia gritar “I’m the king of the world” ou entoar um qualquer trinado épico para um público entusiasticamente inexistente.  

    O hotel era antigo, de um luxo requintado e algo ostensivo. Ao chegar não haviam reparado em pormenor tal, aliás, não reparam em nada, a não ser um no outro. Sorviam as palavras um do outro, naquele trajeto entre o aeroporto e o hotel, desejando estar sós, finalmente a sós.

    Ao descerem no exíguo e doirado elevador não desatavam o nó perfeito das mãos enlaçadas e os olhares eram uma constante declaração de amor.

    Saíram para as ruas amplamente históricas, embarcando numa apaixonada deambulação por entre edifícios imponentes, estátuas que se faziam presentes em qualquer esquina, indigentes que dormiam placidamente na azáfama de uma metrópole que não os via, autocarros apinhados de turistas de headphones a inteirarem-se da estória dos locais, e grupos de jovens, assustadoramente assemelhados a gangues, que se dirigiam resolutamente para uma qualquer praça, gritando palavras de ordem e exigindo algo que aos dois não transparecia. A motivação desta horda barulhenta e trajada de forma exuberantemente vistosa era algo dúbia, iam em bando, falavam alto, imiscuíam-se com incautos transeuntes que nem entendiam o que diziam, tinham gestos despropositados e obscenos. Seria algum tipo de manifestação… de valores ou de subversões não chegaram a saber.

    As horas passavam a um ritmo, para eles alucinante, queriam congelar o tempo e não vê-lo passar. Ao entrarem no restaurante do jantar imbuíram-se daquela atmosfera quente, de pavimento de madeira, paredes brancas e luminosas, empregados atentos, solícitos e portadores de pratos de uma suculenta e deleitosa beleza. Inalavam os odores exuberantes, ouviam os sons obrados no espaço, absorviam tudo o que os rodeava, mas a primazia eram os olhos um do outro, o bem estar mútuo, o beber cada palavra que as bocas apaixonadas imitiam.

    Cá fora, no passeio de madeira assestado ao longo do rio, à luz de candeeiros difusos e amarelados, passearam de mão dada, à chuva, sem que tal os molhasse e acossasse. E ali, longe de gentes e locais familiares, tiveram, de novo, a certeza espelhada no primitivo olhar infantil: amar-se-iam para sempre, ali ou em qualquer outro lugar mesmo quando a proximidade dos corpos fosse apartada pela inusitada vida.

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