Solidário: sobre ser ou não ser...
Um supermercado é um sítio fabuloso para observações antropológicas. Famílias completas, pais e mães com filhos, pessoas sozinhas, idosos, jovens, carros cheios ou sacos com um ou dois réditos.
As pessoas entram apressadas, ou vagarosas no passeio de fim de semana, sorridentes ou taciturnas. Ao deparar com um grupo de pessoas de t-shirt branca e símbolo azul, que faz um peditório de bens alimentícios, reagem das formas mais díspares. Há quem explique já ter dado noutro local, quem passe de olhos vidrados na parede do fundo do edifício e nem mire, quem estique logo o braço com um sorriso de orelha a orelha, quem aparente não poder e entregue três ou quatro sacos cheios, quem aparente poder mas não se esforce para querer, ou até para ser cordial com as crianças que se lhes dirigem. A vida está assim, crítica, e, obviamente, ninguém é coagido a coadjuvar causas. E cada um terá as suas “razões”… mas um sorriso fica bem, um “não posso ajudar” ou até “não quero”, mas sem agressividade. E daí talvez até nem seja isso. Quiçá seja vergonha, a miséria oprime, magoa, amargura e bate de frente com quem a sente, refletida nestes momentos de pedidos solidários.
E no meio do nosso voluntariado vamos ouvindo factos, reais ou ficcionados, que se contam sobre outrem, à laia de confidência escamoteada de coscuvilhice. Observando pessoas depreendemos o mirar desabrigado deitado a um talão de saldo de multibanco, uma frase sussurrada a alguém afirmando “16 euros na conta até segunda feira, é isto que temos”.
Apesar de tudo, e provavelmente por tudo, a sensação de ali estar é enriquecedora, a experiência molda e gratifica. E quando uma das crianças afirma que adorou aquelas três horas porque “ajudou pessoas que podem menos do que nós” (e essa criança, por caso, é nosso filho), percebemos que agimos bem. Pelo menos de acordo com a consciência dela!