Ímpeto...

11-02-2016 22:32

    Na cidade dos prédios de lego o calor derrete os corpos, despe pernas e revela ombros e costas, tudo numa vã tentativa de acalmar o ardente estio. Há a vida que corre deveras corrida, correndo acima e abaixo pelas encostas e barrancos abruptos.

    Os mega edifícios nos despenhadeiros inclinados albergam luxo, lustres luxuriantes nas entradas dos prédios, grades e cercas eletrificadas envoltas em vegetação verdadeiramente verde e ardente. E fora desses muros-fortaleza, albergam também corpos seminus, de cor negra encardida do pó dos dias, olhar inexistente ao que os rodeia e uma indigência aflitiva que os torna transparentes aos transeuntes que passeiam e se maravilham com a exótica beleza circundante.

    E de ímpeto, naquele local cinzelado pela mão de Deus, o céu fecha, e o azul converte-se obscuro com o gris dos flocos de algodão que choram incessantemente, em fortes e desavisadas golfadas. O barulho da fúria do desacato dos Deuses perdura estupendamente audível, iluminado por fortes rasgos de luz néon. Em segundos a estrada transfigura-se em cascata barrenta e alucinantemente rápida, arrastando latas, pedras, sacos pretos recheados de lixo… E eles, os indigentes, vão trocando languidamente de poiso, evitando a enxurrada de líquido que corre livre por todo o lado e, de novo, desaparecem sob o olhar desatento de quem se vê obrigado a parar a jornada por vias da água que não cessa.

    Lá em baixo, nos arrabaldes da cidade, os carros boiam no leito dos rios-rua e os habitantes esperam que a corrente amaine, nada mais podem fazer! E de novo num ápice, o céu abre, a água cessa, o calor permanece imutável e o chão seca, emanando um forte odor a barro seco.

    Algures na cidade alta, mais maravilhados com a beleza dos elementos naturais do que assustados com as suas consequências, os humanos voltam ao corre-corre, táxis passam velozmente num trânsito frenético e tudo retoma a regularidade fabricada pelos construtores da cidade dos prédios de lego. 

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