Bonecas!
O odor seco e inebriante da terra molhada trepou as paredes do edifício e fez-se presente na ampla sala branca do quinto andar. O calor tropical, quente, quase irrespirável que há horas se fazia sentir, foi momentaneamente quebrado por uns minutos de chuva intensa!
Na sala a TV cantarolava um tema repetitivo e estridente, com sabor a verão. A mãe passava a ferro, na face o ar estafado, liquefeito e enfadado que a tarefa imponha. Perto da sacada a criança brincava com os peluches e bonecas. Falava com eles na sua língua pueril e despachada, dava ordens à boneca loira de vestido azul, ralhava com o urso amarelo que tinha puxado o cabelo à Maria Rita, sua companheira de brincadeiras e chás das cinco com chavenazinhas miniatura.
De vez em quando a criança levantava-se e ia até ao terraço! O muro era alto e a mãe sabia que a menina não chegaria à sua berma. Mas aos poucos foi dando por falta dos peluches e bonecas. O semicírculo que rodeava a criança estava a diminuir e a progenitora resolveu espreitar a petiza na varanda. Estava em bicos dos pés, nas pontinhas dos dedinhos descalços, com o corpito franzino completamente esticado para chegar à orla do muro, colocando uma das bonecas no parapeito! “Que estás a fazer?” A pergunta da mãe ecoava ainda quando a menina esticou os deditos da mão e empurrou a boneca! Ao espreitar a mãe viu várias meninas e meninos-brinquedo no chão da rua agitada onde viviam, a serem levados por transeuntes que por ali passavam e não se haviam apercebido de onde choviam.
O céu estafado de calor pingou de novo sobre a cidade e a criança feliz colocou a sua na mão da mãe e disse: “Não fiques triste mamã, elas só tinham calor, queriam chuva! Elas voltam!” A mãe chorava! Não pelas bonecas! Na impossibilidade de explicar à filha o que o seu coração gritava, abraçou-a: “Voltam sim, elas, as bonecas, voltam”!